Por que o Obsidian não é um segundo cérebro (e nem precisa ser)
É possível que muitas pessoas já conheçam ou tenham ouvido falar do Obsidian. E confesso que minha ideia inicial era apenas compartilhar como cheguei até ele e como tenho o utilizado na minha rotina de estudos (o que de fato farei em uma publicação posterior). Porém, assistindo a inúmeros vídeos que faziam exatamente isso, comecei a refletir sobre a maneira como as pessoas apresentavam o aplicativo.
O Obsidian pode ser descrito como um caderno digital, onde você consegue guardar suas anotações e aprendizados. Diferente de um caderno comum, ele permite automatizar o processo de conexão entre essas anotações, como se estivesse criando uma teia ou mapa mental. Por exemplo, se você escreve uma nota sobre um livro que leu e outra sobre um curso que fez, pode criar links para mostrar como elas se relacionam. Com o tempo, isso ajuda você a ver padrões, explorar assuntos de forma mais profunda e coordenar melhor o seu conhecimento. É uma ferramenta especialmente útil para quem gosta de aprender, criar ou simplesmente sistematizar os pensamentos de forma mais visual e prática.
É comum ouvir que o Obsidian facilita a aplicação do método Zettelkasten. Conhecido ainda como “caixa de notas”, o Zettelkasten é um método criado por Niklas Luhmann para organizar pensamentos e ideias de forma interconectada. De fato, Luhmann implementou ferramentas específicas para operacionalizar sua metodologia, afinal, ele armazenava suas informações de maneira totalmente analógica. No entanto, o conceito por trás dessa metodologia provavelmente não é algo novo para a maioria de nós e tem relação com a maneira como aprendemos a aprender: associar dados entre si, independente da temática em discussão, nos permite perceber que o contexto no qual esses dados (ou acontecimentos humanos) estão inseridos, muitas vezes são complexos e se entrelaçam. Além disso, esse exercício de correlação igualmente nos ajuda na retenção desses tópicos, pois a memória tem maior facilidade de acessar elementos aos quais atribuímos significado.
Depois dessa introdução, fica claro que sou uma entusiasta do Obsidian. Contudo, não acredito que, para indicar algo como interessante, precisamos falar que essa coisa é algo que ela não é. E, definitivamente, o Obsidian não é um segundo cérebro.
O cérebro humano não é apenas um sistema de armazenamento e processamento de informações; ele é uma entidade viva, dinâmica, e imersa em um cenário psíquico de experiências, emoções e sentidos. A consciência humana envolve intuição, criatividade, valores, e a habilidade de interpretar o mundo de forma singular (e não única, pois essa concepção seria especista). Por outro lado, aplicativos como o Obsidian são construções sistemáticas que, como já mencionei, apenas registram, organizam e conectam dados com base em regras e operações lógicas predefinidas.
Ao conferir às tecnologias uma metáfora como “segundo cérebro”, corremos o risco de desumanizar os processos mentais, relegando a subjetividade, a reflexão e a complexidade humana a um papel secundário. Embora o Obsidian facilite a estruturação do conhecimento e potencialize nossa capacidade de acessa-lo, as conexões significativas só existem porque nós as criamos. Ele não pensa por si só.
Lembrar disso pode até parecer repetitivo, mas por trás das máquinas e “inteligências artificiais” estão os humanos que as desenvolvem através de modelos de aprendizagem e as treinam com dados, mesmo que depois dessas etapas elas sejam capazes de realizar tarefas autônomas.
Além do mais, essa metáfora pode reforçar uma dependência excessiva das ferramentas digitais, promovendo a ideia de que a mente humana não é suficiente ou eficiente sem elas. Embora elas sejam auxiliares valiosos, a percepção de que precisamos utiliza-las de maneira crítica tampouco é nova. Cada vez mais percebemos o quanto o uso excessivo e indiscriminado de telas pode nos fazer mal. Não à toa a palavra “brain rot” foi escolhida como a palavra do ano de 2024 pelo Dicionário Oxford, demonstrando que nossos dispositivos smart não só não podem emular nossa consciência, como também podem afetar negativamente nossas capacidades cognitivas e a maneira como nós percebemos o mundo.
Quando aprendemos algo novo, o cérebro cria ou fortalece sinapses específicas, formando redes neurais associadas àquela informação ou habilidade. Para promover a criação de novas sinapses, precisamos de estímulos variados, atividades físicas regulares, sono adequado e interações sociais. Se seus estímulos se resumem ao digital, pode ter certeza de que, cedo ou tarde, você enfrentará sérios problemas — e, nesse caso, um “segundo cérebro” não será de grande valia.
Referências: